terça-feira, 10 de agosto de 2010

Reforma Psiquiátrica no Brasil - Parte 2

O Processo de Desinstitucionalização
Pessoal do céu... eu tinha falado na última semana (data do último post) que o assunto era longo e por isso deveria ser postado em partes.. Bom, espero que tenham preparado um bom café, um chimarrão, a pipoca e um puff para os pés, porque o texto é muito grande (isso que fiz alguns cortes e edições).
Com relação à política de desistitucionalização e o processo de redução de leitos em hospitais psiquiátricos de pessoas com longo histórico de internação passa a tornar-se política pública no Brasil a partir dos anos 90, e ganha grande impulso em 2002 com uma série de normatizações do Ministério da Saúde, que instituem mecanismos claros, eficazes e seguros para a redução de leitos psiquiátricos a partir dos macro-hospitais.
Para avaliar o ritmo da redução de leitos em todo o Brasil, no entanto, é preciso considerar o processo histórico de implantação dos hospitais psiquiátricos nos estados,
assim como a penetração das diretrizes da Reforma Psiquiátrica em cada região brasileira, uma vez que o processo de desinstitucionalização pressupõe transformações culturais e subjetivas na sociedade e depende sempre da pactuação das três esferas de governo (federal, estadual e municipal).
Assim, a distribuição dos atuais 42.076 leitos psiquiátricos no Brasil ainda expressa o processo histórico de implementação nos estados de um modelo hospitalocêntrico de assistência em saúde mental. Esta oferta hospitalar, em sua maioria de leitos privados ( 58% dos leitos em psiquiatria), concentrou-se historicamente nos centros de maior desenvolvimento econômico do país, deixando vastas regiões carentes de qualquer recurso de assistência em saúde mental. Assim, configuram-se como estados de grande tradição hospitalar e alta concentração de leitos de psiquiatria, os estados da Bahia e Pernambuco ( na Região Nordeste do Brasil), Goiás ( no Centro-
Oeste ), Paraná ( na região Sul ) e São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais ( na região Sudeste ). A região Sudeste, como grande centro histórico de desenvolvimento do país, sedia cerca de 60% dos leitos de psiquiatria no país.
Nos últimos três anos, o processo de desinstitucionalização de pessoas com longo histórico de internação psiquiátrica avançou significativamente, sobretudo através da instituição pelo Ministério da Saúde de mecanismos seguros para a redução de leitos no país e a expansão de serviços substitutivos aos hospital psiquiátrico. O Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria), o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS (PRH), assim como a instituição do Programa de Volta para Casa e a expansão de serviços como os Centros de Atenção Psicossocial e as Residências Terapêuticas,
vem permitindo a redução de milhares de leitos psiquiátricos no país e o fechamento de vários hospitais psiquiátricos.
Embora em ritmos diferenciados, a redução do número de leitos psiquiátricos vem se efetivando em todos os estados brasileiros, sendo muitas vezes este processo o desencadeador do processo de Reforma. Entre os anos de 2003 e 2005 foram reduzidos 6227 leitos.

A avaliação anual dos hospitais e seu impacto na reforma

Entre os instrumentos de gestão que permitem as reduções e fechamentos de leitos de hospitais psiquiátricos de forma gradual, pactuada e planejada, está o Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar/Psiquiatria (PNASH/Psiquiatria), instituído em 2002, por normatização do Ministério da Saúde. Essencialmente um instrumento de avaliação, o PNASH/Psiquiatria permite aos gestores um diagnóstico da qualidade da assistência dos hospitais psiquiátricos conveniados e públicos existentes em sua rede de saúde, ao mesmo tempo que indica aos prestadores critérios para uma assistência psiquiátrica hospitalar compatível com as normas do SUS, e descredencia aqueles hospitais sem qualquer qualidade na assistência prestada a sua população adscrita.
Trata-se da instituição, no Brasil, do primeiro processo avaliativo sistemático,
anual, dos hospitais psiquiátricos. Se a reorientação do modelo de atenção em saúde mental no Brasil é recente, mais recente ainda são seus processos de avaliação.
É importante ressaltar que a tradição de controle e avaliação anterior ao PNASH-Psiquiatria ancorava-se em dois mecanismos: as supervisões hospitalares, realizadas por supervisores do SUS, de alcance limitado, e as fiscalizações ou auditorias que atendiam a denúncias de mau funcionamento das unidades. É a partir da instituição do PNASH/Psiquiatria que o processo de avaliação da rede hospitalar psiquiátrica pertencente ao Sistema Único de Saúde passa a ser sistemático e anual, e realizado por técnicos de três campos complementares: o técnico-clínico, a vigilância sanitária e o controle normativo. Este instrumento gera uma pontuação que, cruzada com o número de leitos do hospital, permite classificar os hospitais psiquiátricos em quatro grupos diferenciados: aqueles de boa qualidade de assistência; os de qualidade suficiente; aqueles que precisam de adequações e devem sofrer revistoria; e aqueles de baixa qualidade, encaminhados para o descredenciamento pelo Ministério da Saúde, com os cuidados necessários para evitar desassistência à população.
A política de desinstitucionalização teve um forte impulso com a implantação do Programa Nacional de Avaliação dos Serviços Hospitalares – PNASH/Psiquiatria. O PNASH vem conseguindo nos últimos três anos vistoriar a totalidade dos hospitais psiquiátricos do país, leitos de unidades psiquiátricas em hospital geral, permitindo que um grande número de leitos inadequados às exigências mínimas de qualidade assistencial e respeito aos direitos humanos sejam retirados do sistema, sem acarretar desassistência para a população.
O processo demonstrou ser um dispositivo fundamental para a indução e efetivação da política de redução de leitos psiquiátricos e melhoria da qualidade da assistência hospitalar em psiquiatria. Em muitos estados e municípios, o PNASH/Psiquiatria exerceu a função de desencadeador da reorganização da rede de saúde mental, diante da situação de fechamento de leitos psiquiátricos e da conseqüente expansão da rede extra-hospitalar. Em permanente aprimoramento, o PNASH/Psiquiatria ainda exerce um impacto importante no avanço da Reforma Psiquiátrica em municípios e estados com grande tradição hospitalar.

As residências terapêuticas

A desinstitucionalização e a efetiva reintegração das pessoas com transtornos mentais graves e persistentes na comunidade são tarefas às quais o SUS vem se dedicando com especial empenho nos últimos anos. A implementação e o financiamento de Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) surgem neste contexto como componentes decisivos da política de saúde mental do Ministério da Saúde para a concretização das diretrizes de superação do modelo de atenção centrado no hospital psiquiátrico. Assim, os Serviços Residenciais Terapêuticos, residências terapêuticas ou simplesmente moradias, são casas localizadas no espaço urbano, constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas portadoras de transtornos mentais graves, egressas de hospitais
psiquiátricos ou não.
Embora as residências terapêuticas se configurem como equipamentos da saúde, estas casas, implantadas na cidade, devem ser capazes em primeiro lugar de garantir o direito à moradia das pessoas egressas de hospitais psiquiátricos e de auxiliar o morador em seu processo – às vezes difícil – de reintegração na comunidade. Os direitos de morar e de circular nos espaços da cidade e da comunidade são, de fato, os mais fundamentais direitos que se reconstituem com a implantação nos municípios de Serviços Residenciais Terapêuticos. Sendo residências, cada casa deve ser considerada como única, devendo respeitar as necessidades, gostos, hábitos e dinâmica de seus moradores.
Uma Residência Terapêutica deve acolher, no máximo, oito moradores. De forma geral, um cuidador é designado para apoiar os moradores nas tarefas, dilemas e conflitos cotidianos do morar, do co-habitar e do circular na cidade, em busca da  autonomia do usuário. De fato, a inserção de um usuário em um SRT é o início de longo processo de reabilitação que deverá buscar a progressiva inclusão social do morador. Cada residência deve estar referenciada a um Centro de Atenção Psicossocial e operar junto à rede de atenção à saúde mental dentro da lógica do território.
Especialmente importantes nos municípios-sede de hospitais psiquiátricos, onde o processo de desinstitucionalização de pessoas com transtornos mentais está em curso, as residências são também dispositivos que podem acolher pessoas que em algum momento necessitam de outra solução de moradia. O processo de implantação e expansão destes serviços é recente no Brasil. Nos últimos anos, o complexo esforço de implantação das residências e de outros dispositivos substitutivos ao hospital psiquiátrico vem ganhando impulso nos municípios, exigindo dos gestores do SUS uma permanente e produtiva articulação com a comunidade, a vizinhança e outros cenários e pessoas do território.
De fato, é fundamental a condução de um processo responsável de trabalho terapêutico com as pessoas que estão saindo do hospital psiquiátrico, o respeito por cada caso, e ao ritmo de readaptação de cada pessoa à vida em sociedade. Desta forma, a expansão destes serviços, embora permanente, tem ritmo próprio e acompanha, de forma geral, o processo de desativação de leitos psiquiátricos.
A rede de residências terapêuticas conta hoje com 357 serviços em  funcionamento, com aproximadamente 2850 moradores. A expansão dos Centros de Atenção Psicossocial, o desativamento de leitos psiquiátricos e, em especial, a instituição pelo Ministério da Saúde de incentivo financeiro, em 2004, para a compra de equipamentos para estes serviços, são alguns dos componentes para a expansão deste rede, que contava em 2002 com apenas 85 residências em todo o país. Esta rede deverá experimentar ainda nos próximos anos grande expansão. Estimativas do Ministério da Saúde indicam que cerca de 12.000 pessoas poderão se beneficiar dos Serviços esidenciais Terapêuticos.

O Programa de Volta para Casa

O Programa de Volta para Casa é um dos instrumentos mais efetivos para a reintegração
social das pessoas com longo histórico de hospitalização. Trata-se de uma das estratégias mais potencializadoras da emancipação de pessoas com transtornos mentais e dos processos de desinstitucionalização e redução de leitos nos estados e municípios. Criado pela lei federal 10.708, encaminhada pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva ao Congresso, votada e sancionada em 2003, o Programa é a concretização de uma reivindicação histórica do movimento da Reforma Psiquiátrica Brasileira, tendo sido formulado como proposta já à época da II Conferência Nacional de Saúde Mental, em 1992.
O objetivo do Programa é contribuir efetivamente para o processo de inserção social das pessoas com longa história de internações em hospitais psiquiátricos, através do pagamento mensal de um auxílio-reabilitação, no valor de R$240,00 (duzentos e quarenta reais, aproximadamente 110 dólares) aos seus beneficiários . Para receber o auxílio-reabilitação do Programa De Volta para Casa, a pessoa deve ser egressa de Hospital Psiquiátrico ou de Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, e ter indicação para inclusão em programa municipal de reintegração social.
O Programa possibilita a ampliação da rede de relações dos usuários, assegura o bem estar global da pessoa e estimula o exercício pleno dos direitos civis, políticos e de cidadania, uma vez que prevê o pagamento do auxílio-reabilitação diretamente ao beneficiário, através de convênio entre o Ministério da Saúde e a Caixa Econômica Federal. Assim, cada beneficiário do Programa recebe um cartão magnético, com o qual pode sacar e movimentar mensalmente estes recursos. O município de residência do beneficiário deve, para habilitar-se ao Programa, ter assegurada uma estratégia de acompanhamento dos beneficiários e uma rede de atenção à saúde mental capaz de dar
uma resposta efetiva às demandas de saúde mental. A cada ano o benefício pode ser renovado, caso o beneficiário e a equipe de saúde que o acompanha entendam ser esta uma estratégia ainda necessária para o processo de reabilitação.
Trata-se de um dos principais instrumentos no processo de reabilitação psicossocial, segundo a literatura mundial no campo da Reforma Psiquiátrica. Seus efeitos no cotidiano das pessoas egressas de hospitais psiquiátricos são imediatos, na medida em que se realiza uma intervenção significativa no poder de contratualidade social dos beneficiários, potencializando sua emancipação e autonomia. A implementação do Programa, no entanto, não se dá sem dificuldades.
Além do esperado desafio da mudança efetiva do modelo de atenção à saúde mental nos estados e municípios, o Programa de Volta para Casa enfrenta uma situação paradigmática, produzida por um longo processo de exclusão social. A grande maioria dos potenciais beneficiários, sendo egressos de longas internações em hospitais psiquiátricos, não possuem a documentação pessoal mínima para o cadastramento no Programa. Muitos não possuem certidão de nascimento ou carteira de identidade O longo e secular processo de exclusão e isolamento dessas pessoas, além dos modos de funcionamento típicos das instituições totais, implicam muitas vezes na ausência de
instrumentos mínimos para o exercício da cidadania.
Este é ainda um desafio para a consolidação do Programa, que vem sendo enfrentado através da parceria entre o Ministério da Saúde, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal e a Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, para restituir o direito fundamental de identificação e garantir o direito destas pessoas ao auxílio-reabilitação do Programa de Volta para Casa. Desta forma, verdadeiros “mutirões da cidadania” vêm se estruturando nos municípios para garantir a identificação tardia destas pessoas, num processo fundamental de inclusão social e garantia dos direitos fundamentais das pessoas com
transtornos mentais, desafio primeiro da Reforma Psiquiátrica Brasileira.

A estratégia de redução progressiva a partir dos hospitais de grande porte

Aprofundando as estratégias já estabelecidas para a redução de leitos em hospitais psiquiátricos e para o incremento dos serviços extra-hospitalares, o Ministério da Saúde aprova em 2004 o Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar no SUS (PRH). A principal estratégia do Programa é promover a redução progressiva e pactuada de leitos a partir dos macrohospitais (acima de 600 leitos, muitas vezes hospitais-cidade, com mais de mil leitos) e hospitais de grande porte (com 240 a 600 leitos psiquiátricos). Assim, são componentes fundamentais do programa a redução do peso assistencial dos hospitais de maior porte, e a pactuação entre os gestores do SUS – os hospitais e as instâncias de controle social – da redução planejada de leitos, evitando a desassistência. Desta forma, procura-se conduzir o processo de mudança do modelo assistencial de modo a garantir uma transição segura, onde a redução dos leitos hospitalares possa ser planificada e acompanhada da construção concomitante de alternativas de atenção no modelo comunitário.
Para tanto, são definidos no Programa os limites máximos e mínimos de redução anual de leitos para cada classe de hospitais (definidas pelo número de leitos existentes, contratados pelo SUS). Assim, todos os hospitais com mais de 200 leitos devem reduzir no mínimo, a cada ano, 40 leitos. Os hospitais entre 320 e 440 leitos podem chegar a reduzir 80 leitos ao ano (mínimo: 40), e os hospitais com mais de 440 leitos podem chegar a reduzir, no máximo, 120 leitos ao ano.
Desta forma, busca-se a redução progressiva do porte hospitalar, de modo a situarem-se os hospitais, ao longo do tempo, em classes de menor porte (idealmente, até 160 leitos). Ao mesmo tempo, garante-se que as reduções de leitos se efetivem de forma planejada, de modo a não provocar desassistência nas regiões onde o hospital psiquiátrico ainda tem grande peso na assistência às pessoas com transtornos mentais. Este processo, com ritmo pactuado entre os gestores do município e do estado, hospitais e controle social, deve incluir o aumento progressivo dos equipamentos e das ações para a desinstitucionalização, tais como CAPS, Residências Terapêuticas, Centros de Convivência e a habilitação do município no Programa de Volta para Casa.
Na mesma direção estratégica, o Programa recompõe as diárias hospitalares em psiquiatria. Assim, a partir do Programa, passam a vigorar diárias hospitalares compostas e diferenciadas para os hospitais, levando-se em conta o seu porte (classe), a qualidade do atendimento avaliada anualmente pelo PNASH/Psiquiatria e a redução de leitos efetivada. Desta forma, recebem incentivos financeiros, através de novos valores de diárias hospitalares, aqueles hospitais que efetivam a redução de leitos, reduzindo o seu porte, e qualificam o atendimento prestado, verificado pelo PNASH/Psiquiatria.
Assim, passam a ser melhor remunerados pelo SUS todos os hospitais que reduzem leitos e que melhoram a qualidade de atendimento, aferida pelo  PNASH/Psiquiatria. A partir do Programa, a recomposição das diárias hospitalares passa a ser uma ferramenta da política de redução racional dos leitos e qualificação do atendimento em psiquiatria no SUS.
O Programa também busca garantir que os recursos que deixem de ser utilizados nos hospitais, com a progressiva redução de leitos, permaneçam no campo das ações de saúde mental e sejam direcionados para os equipamentos da Reforma Psiquiátrica. Desta forma, busca-se garantir o incremento da ações territoriais e comunitárias de saúde mental, como os Centros de Atenção Psicossocial, Serviços Residenciais Terapêuticos, ambulatórios, atenção básica e outros.
A condução deste processo, crucial para a consolidação da Reforma Psiquiátrica Brasileira, exige negociações e pactuações sucessivas entre gestores (municipais, estaduais e federal), prestadores de serviços e controle social. O cenário privilegiado desse denso progresso de negociação são as “comissões intergestores” bipartite (municípios e estados) e tripartite (Ministério da Saúde, estados e municípios) e os Conselhos Comunitários de Saúde. Na verdade, tais pactuações devem conduzir de forma responsável o processo de desinstitucionalização das pessoas com transtornos mentais longamente internadas, e não somente a redução programada de leitos.
Assim, para cada redução significativa de porte de um hospital, deve haver, além do incremento da rede de atenção local à saúde mental, um trabalho delicado de reinserção social das pessoas com longa história de internação, e a implementação de ações específicas para esta clientela. Neste contexto, a implantação de Residências Terapêuticas e adesão do município ao Programa De Volta para Casa têm se revelado como estratégias importantes para a efetivação do processo de desinstitucionalização.
O Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica no SUS nasce como um mecanismo de gestão do processo de redução de leitos psiquiátricos no país.
Aliado ao PNASH/Psiquiatria, este mecanismo reafirma a diretriz política do Ministério da Saúde na direção da redução progressiva de leitos psiquiátricos e pela melhor qualidade da assistência prestada às pessoas com transtornos mentais. De janeiro de 2004 a maio de 2005, o Programa desativou cerca de 2000 leitos. O Ministério da Saúde espera ter reduzido, até o final de 2006, 3.000 leitos em hospitais psiquiátricos de grande porte.

Manicômios Judiciários: um desafio para a Reforma

A Reforma psiquiátrica brasileira há muito discute o mandato social da psiquiatria e modifica com responsabilidade a prática asilar. É relativamente recente, no entanto, a discussão do manicômio judiciário, duplo espaço de exclusão e violência. Estima-se que 4.000 cidadãos brasileiros estejam hoje internados compulsoriamente nos 19 Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou Manicômios Judiciários em funcionamento no país. Estes hospitais, não sendo geridos pelo Sistema Único de Saúde, mas por órgãos da Justiça, não estão submetidos às normas gerais de funcionamento do SUS, ao PNASH/Psiquiatria (com única exceção dos Hospitais de
Custódia do Rio de Janeiro), ou ao Programa Anual de Reestruturação da Assistência Hospitalar Psiquiátrica. São freqüentes as denúncias de maus tratos e os óbitos nestes estabelecimentos.
No ordenamento jurídico brasileiro, as pessoas com transtornos mentais que cometem crimes são consideradas inimputáveis, isto é, isentas de pena. Estas pessoas são submetidas, no entanto, à medida de segurança, espécie de tratamento compulsório, cuja principal conseqüência é a segregação perpétua ou por longo período, através da internação, da pessoa acometida de transtornos mentais que cometeu um crime ou uma infração. A publicação da lei 10.216, assim como as resoluções da III Conferência Nacional de Saúde Mental, vêm fomentando, no entanto, de forma inequívoca, a mudança das práticas na assistência ao louco infrator.
O exame crítico e intersetorial dos conceitos de inimputabilidade, medida de segurança e periculosidade, e a busca da superação do modelo de tratamento/custódia, através da articulação entre os atores da saúde e justiça são componentes desta mudança. O Ministério da Saúde desde então vem apoiando experiências interinstitucionais extremamente bem sucedidas, que buscam tratar o louco infrator fora do manicômio judiciário, na rede SUS extra-hospitalar de atenção à saúde mental, especialmente nos Centros de Atenção Psicossocial.
Supera-se, nestas experiências, a cessação de periculosidade como critério para a
desinstitucionalização dos pacientes, e a rede extra-hospitalar de saúde mental, com seus dispositivos como os CAPS, residências terapêuticas, ambulatórios e Centros de convivência, passa a ser convocada para oferecer tratamento a estes cidadãos, antes excluídos da rede SUS. Este processo, ainda em curso, não se dá sem dificuldades. A construção de novas práticas para um segmento historicamente situado à margem, inclusive do Sistema de Saúde, encontra resistência na rede de atenção extra-hospitalar de saúde mental, na rede SUS em geral, nas comunidades de origem dos pacientes e nos órgãos de justiça, que, não raro, sugerem a reinternação de pacientes em manicômios judiciários mesmo na ausência de novo delito.
Desta forma, muito embora o processo de desinstitucionalização destas pessoas esteja em curso em alguns estados, o sucesso do controle da porta de entrada do manicômio judiciário é ainda eventual e não existem ainda medidas para realizar uma redução programada de leitos/vagas. No entanto, ainda que embrionária, a nova prática nestes estados já começa a construir o espaço para o louco infrator nas ações do Sistema Único de Saúde, inclusive no Programa de Volta para Casa.
Trata-se de um passo fundamental sobretudo para a luta pela garantia à assistência, à saúde pública e de qualidade e à proteção aos Direitos Humanos de um grupo social que há séculos é vítima de exclusão e preconceito.

Redução de leitos: cenários possíveis de médio e longo prazo

Estima-se que, até o final de 2006, os 6 macro-hospitais remanescentes tenham todos  reduzido significativamente seu leitos, para menos que 600 leitos. A redução global  estimada é da ordem de 2.500 a 3.000 leitos ao ano, sempre dos maiores para os menores hospitais. Assim, pode projetar-se um cenário de menos de 30.000 leitos psiquiátricos convencionais, no total do país, para os próximos 4 anos. É preciso, entretanto, ampliar o número de leitos psiquiátricos em hospitais gerais (atualmente, 2.100 leitos), em unidades pequenas, de no máximo 15 leitos, especialmente destinados ao atendimento de transtornos pelo uso de álcool e outras drogas.
Um problema a ser resolvido é a lenta implantação dos serviços CAPS III, que funcionam 24 horas e realizam internações de curtíssima duração, e ainda não existem em todos os municípios acima de 200.000 habitantes, como é desejável. Com a mudança do modelo assistencial, o Ministério da Saúde está substituindo o indicador “leitos psiquiátricos por 1.000 habitantes” pelo indicador mais sensível e eficaz de “leitos de atenção integral em saúde mental (LAI-SM) por 1.000 habitantes”, no qual estão incorporados, além dos leitos de hospital psiquiátrico, aqueles disponíveis em hospitais gerais, unidades de referência para álcool e outras drogas, emergências gerais e CAPS III.
Alguns municípios de médio e grande porte que estão resolvendo muito satisfatoriamente a questão da internação em psiquiatria e a efetividade da rede extra-hospitalar (como Campinas, Santos e Santo André, em São Paulo; Betim, em Minas Gerais, Sobral, no Ceará e Pelotas, no Rio Grande do Sul), têm funcionado bem com cobertura de 0.18 a 0.25 leitos por 1.000 habitantes, o que mostra uma real substituição do modelo hospitalocêntrico.  O maior problema, sem dúvida, está nos grandes municípios, com população acima de 500.000 habitantes (0,63% das cidades brasileiras), onde o papel do sistema de emergência (SAMU-192) é essencial.
Fonte: MInistério da Saúde (2005)
 
Em breve vou postar algo mais ameno... 
Tenham uma boa leitura e quaisquer dúvidas, reclamações e/ou sugestões é só deixar um comentário... 
Abraço.
Roges

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